A Mestre Chatbot — Parte 4: Pra tirar a ideia do papel
Um conto sobre educação e carreira na 3ª década do século XXI
Nota do autor: se você perdeu, aqui estão a Parte 1, Parte 2, e Parte 3.
Foram duas semanas intensas para Carol, Tita e Rocha.
No dia seguinte da conversa com a Vanda, eles montaram um plano de pesquisa com várias iniciativas para entender o impacto da pandemia nas pessoas do bairro.
Na primeira semana, a última das três do isolamento compulsório do esquema “3+3”, eles pesquisaram nas redes sociais. Viram gente oferecendo serviços e produtos, leram comentários sobre mudanças nas relações interpessoais e se divertiram com vídeos de desesperados alardeando sua criatividade para fazer exercícios em casa. Também coletaram opiniões, por meio de um questionário, sobre os problemas que a nova realidade causou nas vidas de amigos, seus pais e outros que receberam o link para responder.
Na segunda semana, podendo sair às ruas, entrevistaram moradores, comerciantes e trabalhadores do bairro. Levando a sério o que Vanda tinha dito, os três não se contentavam com respostas superficiais, e, por vezes, foram convidados a sair de estabelecimentos porque algumas pessoas já não aguentavam mais as perguntas e precisavam trabalhar e seguir com suas vidas.
Mas estas vezes foram exceções. Porque o que eles notaram foi que muitas pessoas, principalmente as de mais idade, definitivamente queriam conversar. Não importava que estivessem respondendo uma pesquisa para uns adolescentes, desde que pudessem conversar com eles.
As conversas ampliaram o olhar de Carol, Tita e Rocha para algo que eles ainda não tinham notado: a interação entre as pessoas estava realmente diferente.
Os posts, as respostas ao questionário, as entrevistas, todas as informações que eles juntaram confirmavam suas conclusões. As pessoas pareciam ter ficado mais reservadas, passando longe das outras quando andavam pelas ruas; muitas estavam saudosistas, tristes com a falta dos abraços e apertos de mão; e muita gente reclamava da solidão, de ficar isolada em casa sem poder ver familiares e amigos, e de não poder conversar direito porque tinham uma máscara no rosto.
Era isso. As pessoas estavam sofrendo com a solidão, e os dias de abertura não eram suficientes para compensar a falta de contato imposta pelo isolamento. Tita, Carol e Rocha entenderam que para melhorar a qualidade de vida dos moradores do bairro, e almejar uma boa nota no trabalho da escola, teriam que encontrar maneiras de ajudar as pessoas a superarem a solidão do isolamento físico.
Foi esta conclusão que levou os três a pensarem na “VONES”, uma plataforma, acessada via site ou aplicativo, para as pessoas compartilharem palavras de conforto. Rocha ficou todo orgulhoso quando as duas amigas curtiram sua proposta para o nome, uma abreviação de “Você Não Está Sozinhe”.
A ideia era simples. Inicialmente, teria 3 funções: o espaço “quero conversar com alguém”, para as pessoas encontrarem outras para conversar e que poderia ser acessado anonimamente ou por vídeo; um espaço para suporte psicológico profissional, caso a pessoa sinta que precisa mais do que só conversar com outra; e um espaço com depoimentos, palavras de conforto que as pessoas deixam para as outras.
Mas a ideia estava apenas no papel.
Era uma quinta-feira, final de tarde, os três estavam na casa da Tita, de máscaras, e sem saber como avançar. Estava na hora de chamar a chatbot de volta. Carol buscou o perfil @qualehatua no TikTok e clicou no link que apareceu — não tinha como errar, estava escrito “é só clicar aqui, Carol”.
Vanda apareceu depois de um novo show de pirotecnia, com luzes estroboscópicas coloridas saindo da tela e iluminando o quarto.
— Estavam com saudades, meus queridos?
Eles resumiram para ela o que tinham feito e ela reagiu com uma provocação:
— E vocês estão esperando o quê?
Contrariado com a pergunta, Rocha retrucou: — Mas como é que a gente faz isso? Tem que criar o aplicativo, tem que falar dele pras pessoas divulgarem, influenciadores, mais uma pá de coisas…
— Não me parece que vocês não saibam o que fazer. Vocês identificaram um problemaço das pessoas e tiveram uma ideia incrível pra tentar solucionar este problema. Mas se ficarem esperando alguém dizer o que vocês têm que fazer, correm o risco dessa ideia nunca sair do papel. Ou pode até acontecer de alguém implementar essa ideia primeiro e vocês vão ficar se remoendo que não se mexeram. Vamos falar de novo de competências, meus amores, porque é isso que falta.
Vanda escreveu no ar, e as letras apareceram brilhantes na tela:
“Iniciativa e Coragem”
— Vamos começar com duas de uma vez. Primeiro: vocês tiveram a ideia. Vocês são os protagonistas. Não podem ficar esperando que alguém faça ou diga o que fazer. Vocês têm que dar os primeiros passos. Isso é iniciativa.
— Mas a gente pensou nessa coisa toda da plataforma, como é que a gente vai conseguir botar isso em pé até a data da entrega desse trabalho, daqui a duas semanas? — Rocha continuava tenso.
— Calma, meus amores. Quando a ideia é grande, complexa, parece quase impossível tirá-la do papel, não? E achar quase impossível trava a gente, paralisa. Não sabemos como começar, o que fazer. É assim que você está se sentindo, Rochinha?
Rocha só movimentou a boca, e sua cara expressava a obviedade da resposta.
— Vamos fazer um exercício. Que tipos de coisas, ou negócios, vocês acham que cresceram, ou foram fundamentais nas suas vidas, desde que a pandemia começou?
Carol mencionou a possibilidade de fazer consulta médica pela internet, pela simplicidade de não perder tempo indo a consultório e em sala de espera. Rocha falou sobre os serviços de delivery de comida e farmácia, que permitiram que as pessoas não precisassem sair de casa para comprar. Tita foi na linha de Rocha, com uma outra abordagem, mencionando a possibilidade das pessoas, incluindo pequenos produtores locais, venderem seus produtos pelo Insta e WhatsApp, o que, na sua opinião, ajuda mais a sociedade como um todo.
— Ótimo. Agora pensem: como estas iniciativas saíram do papel?
Os três balbuciaram algumas alternativas de respostas, mas nenhuma triunfou.
— A resposta mais simples tem a ver com coragem. Alguém teve a coragem de dar o passo, de fazer um post inicial com os produtos ou de organizar uma primeira vídeo-chamada com uma médica.
— Mas pros deliveries foi fácil, os aplicativos já existiam, eles só surfaram a onda e se deram bem — Rocha interferiu.
— Verdade. Mas eles também se anteciparam e criaram melhorias para seus serviços. Introduziram novas categorias de produtos, planos de assinatura e outros benefícios, não foi? Eles tomaram a iniciativa para aproveitar a situação. Este protagonismo é a essência da iniciativa.
— Dá pra ver mesmo como inciativa e coragem estão ligados — Carol disse. — Mas quando você já começa com algo, como os deliveries, é mais fácil. Quando você não sabe nem por onde começar, uma ideia totalmente nova, é bem mais complicado.
— Mas não é impossível, fofa. Não existiria nada no mundo, nenhum negócio ou organização, ou nenhuma solução, se alguém não tivesse tido a coragem no início de propor a ideia e levá-la pra frente, mesmo contra todas as adversidades que possam ter surgido.
— Mas quando a gente nunca fez e não sabe como, dá um certo medo.
— Dá sim, Carol. É óbvio que existe medo na hora de botar em pé uma ideia nova, porque envolve riscos. Mas ter coragem não significa não ter medo, e o medo não precisa te paralisar. Na verdade, deixem eu tirar o peso disto. Coragem não é coisa de super-herói, de colocar uma capa e achar que é invencível, mas tem a ver com uma atitude que vocês manifestaram no nosso primeiro encontro, de não se conformarem com o que não acham correto. Porque o oposto de coragem, meus amores, não é covardia, é conformismo.
Vanda aproveitou pra fazer uma ceninha enquanto dizia a última frase, criando uma imagem instagramável com um fundo de montanhas e a frase em caligrafia cursiva ocupando toda a imagem.
— Total verdade isso! — Tita se manifestou. — Fiquei pensando aqui em pessoas corajosas enquanto você falou isso de super-heróis, e os exemplos que lembrei são de pessoas que desafiaram o status quo e as injustiças com um gesto, uma ação. Gente como aquela moça negra que resolveu se sentar num banco para brancos num ônibus nos EUA, muitos anos atrás.
— Rosa Parks era o nome dela — Vanda completou, apenas para explicitar.
— Ela mesma — Tita continuou. — Me lembrei também de uma imagem que vimos numa aula de história, de um homem que ficou parado na frente dos tanques militares naquele episódio do massacre da Praça da Paz Celestial na China. E das primeiras mulheres que começaram a expor os assédios masculinos e que levou ao movimento #MeToo. Pra mim são todos super-heróis.
— Exato, Tita. Corajosas e corajosos estão em todos os lados. Como o colega que faz uma pergunta na aula que ninguém conseguia fazer ou uma amiga que fica ao seu lado quando outros criticam. Se vocês pensarem nestes exemplos de coragem, do dia a dia, fica mais fácil enfrentar o medo do primeiro passo, não?
— Tá legal, e o que mais? — Rocha não escondeu sua ansiedade. — Coragem e iniciativa pra começar, mas a gente tem duas semanas pra fazer essa coisa e na boas que só dar o primeiro passo não vai ser suficiente.
— Com certeza, não, querido. Tem mais na aulinha de hoje.
Vanda escreveu a competência seguinte em letras brilhantes:
“Persistência”
(continua semana que vem, na Parte 5 de 6)
Gian Taralli é escritor, consultor e professor de empreendedorismo, criatividade e inovação. Autor do livro de mistério infanto-juvenil “A Menina em Pedaços” (à venda aqui). Co-fundador da Jornada DARE, EdTech que desenvolve competências empreendedoras para jovens e acelera projetos por meio de cursos, mentorias, oficinas e eventos interativos e colaborativos. Saiba mais em jornadadare.com.br