A Mestre Chatbot — Parte 5: Pra levar a ideia adiante
Um conto sobre educação e carreira na 3ª década do século XXI
Nota do autor: se você perdeu, aqui estão a Parte 1, Parte 2, Parte 3 e Parte 4.
— Como é que em duas semanas a gente consegue botar de pé essa ideia com tudo que a gente pensou?
A pergunta do Rocha sintetizava a ansiedade que ele, Tita e Carol estavam sentindo. Vanda já havia falado sobre iniciativa e coragem, competências que ela dizia serem fundamentais pra eles começarem a tirar do papel a ideia da VONES, plataforma que eles bolaram para ajudar pessoas a superarem a solidão do isolamento provocado pela pandemia.
Eles tinham mais duas semanas pra avançar neste trabalho da escola e Vanda tinha acabado de introduzir mais uma competência na conversa:
“Persistência”
— Eu não falei pra vocês antes, mas sabiam que sou uma corredora? Eu corro maratonas, e assim me dou ao luxo de comer várias coisinhas sem me preocupar com minha linda silhueta! Enfim, um belo dia eu resolvi começar a correr. Iniciativa, certo? Mas nenhum de vocês corre, eu sei, então preciso deixar claro. Correr maratona não é brincadeira! Não dá pra acordar e dizer, pronto, vou correr 42km agora. Precisa se preparar, treinar. Sair da cama pela manhã, calçar um tênis, e partir pro treino, faça chuva ou faça sol. Até que a gente consegue terminar uma maratona. E aí treina pra outras, mas esse não é o ponto desta história.
— Pois é — Tita interferiu. — Qual é o ponto desta história?
— O ponto é que uma maratona é como uma ideia grande, que a gente não corre de cara. A gente chega lá. E pra chegar lá, precisamos de persistência. E tem 3 coisinhas que podem ajudar vocês com isso. Primeiro, vocês precisam ter a linha de chegada em mente, mas dividir o percurso em etapas.
Vanda ilustrou seu ponto desenhando uma estrada num quadro branco e cortando a estrada em algumas partes. E continuou:
— A VONES completa é a linha de chegada de vocês, que nem os 42km da maratona. Mas tem um caminho até lá que vocês podem dividir com objetivos específicos. Isso faz diferença porque ajuda a mudar um padrão muito comum de quando fazemos o que temos que fazer. Perguntinha: se vocês tiverem uma prova daqui a 2 semanas, quando vocês vão estudar?
— Eu e a Tita, uns dois dias antes ou na véspera mesmo. O Rocha só na véspera, isso se estudar alguma coisa, né? — Carol respondeu, piscando o olho pro Rocha.
— Muito bem, na véspera. Esse é o padrão. Mas se a ideia é complexa, como a VONES, deixar pra véspera torna o desafio muito difícil. Por isso estou dizendo pra dividir o percurso em etapas, e cada etapa ter um objetivo. Por exemplo, vocês podem dividir as duas semanas pra construir a VONES em 3 partes e definir que, nos primeiros 5 dias, vocês vão focar na implementação da seção de depoimentos das pessoas.
— Verdade, eu faço isso às vezes quando tem muita matéria pra estudar pra uma prova — Carol se lembrou. — Mas na prova eu sei tudo que deve cair, eu consigo me organizar pra estudar. Já essa nossa ideia acho que pode variar. Os depoimentos, por exemplo, a gente pode fazer com textos ou com vídeo, ou os dois. E a parte de suporte psicológico, nem sabemos se vamos conseguir psicólogos que topem participar!
— Certíssima, Carol. E por isso, em segundo lugar, vocês precisam tomar a pílula de adaptabilidade. Porque é ilusão achar que vocês têm controle de todos os passos, de tudo que vai acontecer em cada etapa. Eu perdi a conta de quantas vezes me machuquei correndo, ou de quantos treinos tive que alterar porque choveu e as ruas ficaram cheias de poças e escorregadias. Eu adaptava o treino e seguia em frente. Pra VONES, o que vocês poderiam fazer nos próximos dias pra avançar com as questões sobre formato dos depoimentos e sobre os psicólogos?
Rocha já estava pensando nisso antes mesmo da Vanda perguntar:
— Vamos simplificar nossa vida. A gente começa a plataforma só com depoimentos em textos. Se o povo disser que quer gravar vídeos, a gente adapta a plataforma pra vídeos também.
— Boa. E sobre os psicólogos acho que o mais simples é falarmos com a mãe da Ana, que é psicóloga, e ver se ela topa ajudar. Ela com certeza conhece outros psicólogos pra indicar pra gente — Tita complementou.
— Mas e se a mãe da Ana não topar? E se a gente não conseguir psicólogos? Sei lá, vai ver ninguém topa isso de graça. Aí a gente faz o quê, muda tudo? — Legítima libriana, Carol não estava tranquila com essa imprevisibilidade.
— Vocês vão adaptando, Carol — Vanda tentou tranquilizar. — A VONES é uma ideia grande, composta por algumas partes, e tentar avançar tudo de uma vez é complexo. Quebrando o percurso em etapas, com focos específicos, vocês vão avançando um pouco por vez. Vocês conseguem ver quanto estão avançando a cada dia e o risco de travar ou desanimar é menor. Mas pode ser que uma parte da ideia tenha que ser diferente do que vocês pensaram. Isso não é necessariamente um problema. E se vocês chegarem à conclusão que a parte do apoio de psicólogos tem que ser só uma lista com contatos de instituições que podem ajudar? A VONES continua sendo VONES, não?
— Verdade, Carol — Tita ajudou. — E a gente é sussa com isso. Não tivemos que adaptar nossas vidas a um monte de coisas diferentes por causa da pandemia? Aula online, higienização em tudo que é lugar…
— Bem lembrado! E a chave pra persistir e avançar com a ideia é o que define se vocês têm que adaptar algo ou não: os aprendizados. Terceiro ponto sobre persistência: vocês precisam encarar o percurso pra levar a ideia adiante como uma busca por aprendizados. Pra definir como será a plataforma, o formato dos depoimentos, como oferecer o suporte psicológico. Vocês têm que testar cada parte com as pessoas que vão usar a VONES. Gostam desse botão, não gostam daquele ícone, preferem as seções uma ao lado da outra, etc. E com as respostas, os comentários, se precisar vocês mudam, melhoram, e seguem em frente.
— Prototipando, é isso? — Rocha comentou e tanto Carol quanto Tita olharam para ele com uma cara de espanto. Ele notou e continuou: — Ano passado tivemos uma eletiva no laboratório de tecnologia, tínhamos que desenvolver uns instrumentos musicais, fizemos um monte de protótipos. Meu grupo quis fazer uma guitarra. Aí a gente desenhava um modelo, imprimia na 3D, serrava, testava. No começo a gente queria com dois braços, mas ficou ruim. Aí o espaço das cordas ficou largo. A gente mexeu no desenho e imprimiu de novo sei lá quantas vezes.
— E cada vez que vocês testaram, aprenderam como melhorar algo, certo?
Rocha assentiu com a cabeça para Vanda.
— Quando buscamos aprendizados, nós podemos aprender o tempo todo. — Vanda seguiu. — Quando acertamos e, principalmente, quando erramos. E a dica pra vocês avançarem com mais confiança na ideia é errarem rápido. Por isso dividir o percurso e focar em partes específicas da ideia, prototipando e testando cada coisa do jeito mais simples que conseguirem. Vocês podem testar a plataforma só com desenhos das telas, por exemplo, não precisam fazer o aplicativo ou site de cara.
— Quando eu estava ficando tranquila com esse negócio de adaptabilidade você vem com essa de errar? Não curti isso, não.
Vanda tinha aberto a boca pra responder, mas Tita foi mais rápida:
— Acho que entendi o que a Vanda quis dizer, Cá. O plano pra levar a VONES pra frente tem que ser um plano de testes, de coisas simples, e cada teste vai dizendo pra gente qual o próximo passo. E se a gente testar rápido e descobrir que as pessoas querem diferente, o que significa que a gente errou aquela versão, a próxima versão vai ser melhor. No fundo é como um mapa de caminho. Não é como nossos planos de estudo, dividindo o conteúdo em partes e o que a gente não fez num dia faz no outro. É um mapa que a gente vai por uma estrada, aí descobre que tem que pegar outra estrada do lado, ou um atalho. Fica tranquila que a gente dá conta!
— Tenho certeza que sim, queridos. Afinal, estamos falando sobre competências e, acreditem, eu não teria ficado todo este tempo aqui se não acreditasse em vocês!
Vanda aproveitou para fazer aparecer vários coraçõezinhos brilhantes na tela.
— Vamos terminar com um bônus, que eu estou me sentindo gentil hoje. Vamos voltar pra sensação que vocês parecem ainda estar sentindo, mesmo com tudo que falamos: ansiedade. Temos só duas semanas pra isso estar pronto, tem tanta coisa pra fazer, aiaiai. Ansiedade, meus amores, é um problema de atenção no lugar errado. Se eu correr todo dia pensando que vou fazer 42km, vou correr mal, me machucar. Eu tenho que focar no treino do dia. Vocês têm que focar na parte do percurso que estiverem, e não na ideia completa. Essa dica vale até pra quando forem estudar pra uma prova, né?
Até Carol concordou. Vanda continuou:
— Tem um livro bacaninha da Patricia Madson sobre a sabedoria da improvisação. Como eu sei que vocês não vão ler, vou resumir o que ela diz. Toda a preparação, tudo que vocês estudaram, aprenderam, treinaram, deve servir para o momento em que vocês estão. Foquem no momento. Estejam nele. E aí naturalmente pode surgir a improvisação, que é como se virar no momento se precisar sair do roteiro. O foco no agora minimiza a ansiedade e permite que vocês captem bem os aprendizados de cada passo.
— Tava faltando alguma coisa esotérica no papo de hoje — Rocha não se conteve.
— Engraçadinho... Está bem, queridos, já deu por hoje. Sucesso nos próximos dias e me chamem quando a VONES estiver no ar!
Sem chance pra despedidas, uma nuvem de fumaça encobriu Vanda e, segundos depois, a chatbot não estava mais lá. Os três se levantaram do quarto da Tita e foram até a cozinha buscar algo para jantar, porque eles ainda tinham muito pela frente pra avançar com este trabalho.
(continua semana que vem, na Parte 6 de 6)
Gian Taralli é escritor, consultor e professor de empreendedorismo, criatividade e inovação. Autor do livro de mistério infanto-juvenil “A Menina em Pedaços” (à venda aqui). Co-fundador da Jornada DARE, EdTech que desenvolve competências empreendedoras para jovens e acelera projetos por meio de cursos, mentorias, oficinas e eventos interativos e colaborativos. Saiba mais em jornadadare.com.br